terça-feira, 17 de abril de 2012

Diálogo e embate de duas gerações de escritores

Estrelas da literatura argentina se encontram na 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura
    Secretaria de Cultura

    O terceiro encontro da Jornada Literária da América Hispânica da 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura uniu dois autores argentinos de gerações e gêneros distintos. A jovem Samanta Schweblin, de 33 anos, considerada a “a grande promessa da literatura argentina”, e o Mempo Giardinelli, um dos mais premiados e traduzidos autores argentinos de sua geração, conhecido do público brasileiro pelo sucesso de Luna Caliente, romance de 1983, adaptado para a televisão. Dois pensamentos diferentes, mas de alguma forma complementares, que concordam num ponto: “cada geração precisa cometer o parricídio da antecessora para poder existir”.
    
    O debate foi mediado pelo escritor e tradutor brasileiro Eric Nepomuceno, que instigou os autores a se questionarem sobre o significado do conceito de “geração”. Para Samanta, não é muito clara a noção de que uma geração literária implica questões estilísticas. Segundo a autora, sua geração é marcada por vozes muito particulares, originais, que se movem em gêneros e mundos muito diversos e que têm um ponto em comum: “Somos a geração A: ateus, apolíticos, adogmáticos”, afirmou.

    Para Mempo Giardinelli, uma gera ção é caracterizada por uma maneira de olhar para a literatura de um país de forma etária. “Eu sou de uma geração que veio depois do ciclo de ouro da literatura latino-americana. Tínhamos que cometer um parricídio. Nós os amávamos, mas tínhamos que nos separar deles”, afirmou. E explicou: “Na Argentina, as gerações funcionam deforma muito egoísta. Acho que a geração de Samanta não recebeu o peso que tínhamos”. Ao que Samanta concordou: “Não sobrou muitos autores por matar”, disse sorrindo. “A ditadura cuidou de mais da metade deles. Cortázar, Borges, Casares são como nossos avós e isso nos deixou com muita liberdade para criar”.
    
    Mas tamanha liberdade foi questionada por Mempo Giardinelli, que vê alguns excessos: “Me preocupam os parricídios que reescrevem a história. É uma atitude iconoclasta”, provocou. “A categoria ‘novos’ é muito questionável, pois cada geração é fruto de seu tempo. A nossa foi a geração da tragédia. Essa é a da democracia”. Ao que Samanta rebateu: “Existem as utopias pessoais”.
    
    No entanto, não foi só de discordância que se fez o encontro. A plateia se divertiu com a revelação de Samanta de que vários leitores dizem que ela escreve como um homem e a de Mempo que afirmou que, no início de sua carreira, muitos lhe diziam que sua escrita era feminina. Mas há uma escrita caracterizada pelo sexo do autor?, provocou Nepomuceno. Ao que Mempo prontamente respondeu: “A literatura não tem sexo”.
    
    Samanta Schweblin brincou com o fato de editores pensarem nela como uma promessa para o romance, como se a opção pelo conto fosse apenas um território da aprendizagem e não uma escolha pessoal. “Se eu tiver uma ideia um dia que vá além de 10 páginas, escrevo um romance. Mas sempre que penso num assunto se parece a um conto”, relatou. A autora também fez uma revelação surpreendente: “Aos 11 anos de idade, parei de falar tão completamente que meus professores chamaram meus pais e disseram que se eu não freqüentasse umpsicanalista não me deixariam passar para o segundo grau”. E refletiu: “Achoque foi por isso que comecei a escrever. Isso é estranho, porque os livros me põem na posição de falar. Tenho uma relação muito artesanal e pessoal com o que faço”.
    
    O mestre Mempo Giardinelli também teve seu momento confessional: “Eu tenho muito medo de escrever um texto medíocre, uma novela insignificante. Por isso, cada vez escrevo menos e me censuro mais. Lamento ter perdido aquele frescor. A busca do equilíbrio pode ser também o grande caminho para o desequilíbrio. Terminei meu último romance há um ano e ele continua lá, em maturação. É preciso que um texto amadureça”. E Mempo também contou que, de sua imensa biblioteca familiar, de 15 mil volumes (que ele leu quase toda), o que considera mais precioso é sua coleção completa de Monteiro Lobato. “Eu me criei lendo Monteiro Lobato e hoje lamento que não haja novas edições dele na Argentina”.
    
    Já Samanta contou ter aprendido a ler com os norte-americanos. Disse: “Eles não fazem o leitor perder tempo. Não precisa dizer ‘muito branca’ se uma coisa é ‘branca’. É preciso encontrar o peso de cada palavra”. Sua literatura reflete este aprendizado.

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